A reprogramação celular é uma técnica recente. Apesar de já estar contribuindo nas pesquisas médicas, ainda tem pela frente muitos desafios. Stevens Rehen, especialista no assunto, fala sobre a técnica e traça um panorama dos estudos com células-tronco.
O herói Super-Homem, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938, era capaz de transformar com as próprias mãos carvão em diamante.
A ideia é delirante, mas seu equivalente na biologia começou a acontecer em 2007, quando, no Japão, Shynia Yamanaka transformou pela primeira vez células da pele em células-tronco de pluripotência induzida (iPS). Usou as mãos e um punhado de vírus. O método ficou conhecido como reprogramação celular.
As células iPS são equivalentes às células-tronco embrionárias, derivadas de embriões e capazes de se transformar em qualquer tipo celular do corpo humano. Essa característica é conhecida como pluripotência. Se Armando Nogueira tivesse que definir pluripotência, provavelmente diria que é como um jogador de futebol que joga nas 11 posições, de goleiro a centroavante.
Se Armando Nogueira tivesse que definir pluripotência, provavelmente diria que é como um jogador de futebol que joga nas 11 posições
A pluripotência separa as células-tronco derivadas de embrião e as reprogramadas das células-tronco de órgãos específicos, ou células-tronco adultas. Nessa categoria estão as células-tronco da medula óssea, do tecido adiposo e do cordão umbilical, com potencial limitado de crescimento e diferenciação.
Criar células iPS é mais um capítulo de uma bela história de sucessos iniciada há trinta e poucos anos, quando Mario Capecchi, Martin J. Evans e Oliver Smithies, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina, isolaram as primeiras linhagens de células-tronco embrionárias de camundongos.
Barreiras transpostas
O desenvolvimento de técnicas de reprogramação celular pela equipe de Shynia Yamanaka alterou radicalmente o panorama das pesquisas sobre células-tronco em todo o mundo. Criou alternativas para a superação de barreiras que limitam o sucesso terapêutico de células pluripotentes, vislumbrado desde o isolamento das primeiras células-tronco embrionárias humanas, há 12 anos, pela equipe de James Thomson, nos Estados Unidos.
A primeira dessas barreiras está na dificuldade prática para a obtenção de embriões, necessários à criação de células-tronco embrionárias. A outra está na possibilidade de rejeição das células-tronco embrionárias humanas quando transplantadas em pacientes.
Nesse sentido, cabe lembrar que mesmo que o ensaio clínico iniciado recentemente nos Estados Unidos seja bem-sucedido, todos os pacientes com lesão medular que vierem a receber derivados de células-tronco embrionárias humanas terão que tomar, por toda a vida, medicamentos imunossupressores, de modo que seus corpos jamais rejeitem o material transplantado.
Células iPS são geradas à la carte, cada uma delas carregando a identidade genética de um determinado paciente. Não são necessários embriões para sua obtenção, que é personalizada, o que, por sua vez, elimina a chance de serem confundidas com células invasoras no próprio corpo.
Por outro lado, sua aplicação na prática médica, como alternativa às células-tronco embrionárias ou transplantes em geral, ainda depende de uma série de avanços na própria técnica de reprogramação celular.
Tecnologia em tenra idade
A principal vantagem da utilização das células iPS é que elas podem ser derivadas de qualquer paciente com relativa facilidade, permitindo assim o desenvolvimento de um serviço personalizado de busca de medicamentos.
Neurônios diferenciados a partir de células iPS conservam a identidade pessoal do doador, funcionando como um alter ego cerebral, um avatar biológico, que pode ser usado para identificar diferenças específicas de resposta a medicamentos naquele indivíduo.
Apesar de já contribuir – combinada aos métodos tradicionais de análise e aos modelos animais – para a descrição do efeito de novos medicamentos e das inúmeras promessas, é importante lembrar que a tecnologia de reprogramação de células ainda está em sua tenra infância e tem inúmeros desafios a superar antes de sua aplicação na área clínica.
Também não há garantias em relação ao tempo, podendo demorar muitos anos até que a tecnologia de iPS se torne realidade na prática médica.
Christopher Reeve, o primeiro super-homem do cinema, faleceu em 2004, em decorrência de complicações de um acidente que o deixou tetraplégico. Era um entusiasta da pesquisa com células-tronco, mas não chegou a conhecer as células iPS.
Fico imaginando como seria seu encontro com Shynia Yamanaka, que, da sua maneira, também foi capaz de transformar carvão em diamante.
Stevens RehenInstituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Stevens RehenInstituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Ciencia Hoje On-line