Mazela nacional
A desigualdade, que se manifesta em vários âmbitos da vida brasileira, é a maior ameaça à democracia no país. A questão foi tratada pelo presidente do Ipea em evento realizado na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba.
Marcio Pochmann ao lado das sociólogas Luciana Veiga (UFPR) e Celi Scalon (UFRJ). Em palestra proferida no III Seminário de Sociologia e Política da UFPR, o economista se deteve sobre a questão da desigualdade no Brasil. (foto: Rodrigo Juste Duarte)
O economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chamou de ‘heróis’ os brasileiros de famílias pobres que conseguem conciliar trabalho e estudo.
“No Brasil, dificilmente um filho de rico começa a trabalhar antes de concluir a graduação ou, em alguns casos, até mesmo a pós-graduação”, observou Pochmann em palestra proferida na abertura da terceira edição do Seminário Sociologia e Política.
O evento – que acontece desde segunda-feira e termina hoje (28/9) – foi promovido pelos programas de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da UFPR.
“Os brasileiros pobres que estudam e trabalham se submetem a uma jornada de até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamentos. Essas condições são piores do que as enfrentadas pelos operários no século 19.”
Ainda existem 400 mil brasileiros com até 14 anos fora da escola. Se essa faixa etária for estendida para 16 anos, a cifra salta para 3,8 milhões de pessoas
O presidente do Ipea lembrou que o Brasil levou cem anos, desde a proclamação da República, em 1889, para universalizar o acesso de crianças e adolescentes ao ensino fundamental. “Mas esse acesso foi condicionado ao não crescimento dos recursos da educação, que permaneceram em torno de 4,1% ou 4,3% do PIB. Sem ampliar os recursos, aumentamos as vagas com a queda da qualidade do ensino.”
Mas essa universalização do ensino fundamental não significa que 100% dos brasileiros em idade escolar estejam estudando. Segundo dados apresentados pelo economista, ainda existem 400 mil brasileiros com até 14 anos fora da escola. Se essa faixa etária for estendida para 16 anos, a cifra salta para 3,8 milhões de pessoas.
Segundo Pochmann, de cada dez brasileiros, um é analfabeto. E ainda temos cerca de 45% de analfabetos funcionais (que são capazes de ler mas não de interpretar o que leem). “É muito difícil fazer valer a democracia nesse cenário”, disse.
Concentração na marcha a ré
Em sua fala, o dirigente do Ipea abordou também temas como redução da taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, crescimento da população idosa, monopólio das corporações privadas transnacionais e concentração da propriedade da terra.
“O Brasil não fez reforma agrária, não democratizou o acesso à terra. Temos uma estrutura fundiária mais concentrada do que em 1920, com o agravante de que parte dela está nas mãos de estrangeiros”, afirmou o economista.
O Brasil não fez reforma agrária, não democratizou o acesso à terra. Temos uma estrutura fundiária mais concentrada do que em 1920
“De um lado, 40 mil proprietários rurais são donos de 50% da terra agriculturável do país e elegem de 100 a 120 deputados federais. De outro, 14 milhões trabalhadores rurais, os agricultores familiares, elegem apenas de seis a dez deputados.”
Ainda segundo Pochmann, a participação dos 10% mais ricos no estoque da riqueza brasileira não mudou nos últimos três séculos. Permanece estacionada na faixa de 70% a 75%.
Para ele, a desigualdade é um produto do subdesenvolvimento. “Não que os países desenvolvidos não tenham desigualdade, mas não de forma tão escandalosa”, observou.
Crítica à academia
O economista criticou a forma como a comunidade acadêmica tem tratado o tema das desigualdades no Brasil. Segundo ele, o assunto tem sido apresentado de forma muito descritiva e com pouco enfrentamento. “Em que medida a discussão está ligada a intervenções efetivas, a políticas que possam de fato alterar a realidade?", perguntou.
O tema das desigualdades tem sido apresentado de forma muito descritiva e com pouco enfrentamento
Em sua avaliação, a fragmentação e especialização das ciências sociais aprofundam o quadro de alienação sobre o problema das desigualdades.
“As pesquisas não mudam a realidade. Quem muda a realidade é o homem. Agora, as pesquisas mudam o homem. Se mudarem o homem, ele muda a realidade. Nada nos impede de fazer isso, a não ser o medo, o medo de ousar.”
Fernando César OliveiraEspecial para a CH On-line/ PR
Fernando César OliveiraEspecial para a CH On-line/ PR
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